Por Diana Magalhães
“Que lindo!” Foi a frase que a cria mais nova disse para mim no banco de trás do carro, enquanto seguíamos a estrada rumo à um rancho com toda a família que agora ocupa todo o carro. Olhei para fora através do para-brisa, para onde seu dedinho gordo apontava, mas não vi nada além do asfalto e da vegetação seca e empoeirada dessa época do Cerrado. “O que meu filho?” Perguntei a ele curiosa, pois estava trabalhando com eles sobre a contemplação do belo na natureza, e queria saber como ele estava direcionando seu olhar. Mais uma vez ele apontou para frente e repetiu a frase, um pouco mais veemente para que eu entendesse: “Lindo mamãe!” Olhei para frente, e ainda assim não via nada, voltei para trás, e disse desapontada: “Mamãe não está vendo.” Ao que me respondeu em seu limitado vocabulário de dois anos: “O rosto!”. O mais velho que estava atento a todo o diálogo, disse interpretando o seu irmão caçula como um bom irmão mais velho: “Sua maquiagem mãe.” E o mais novo com um sorrisinho de quem havia sido compreendido afinal, confirmou, “A boca! Muito bonito!” Surpresa, lembrei que havia conseguido fazer uma rápida maquiagem, nos poucos minutos que me restaram, após, dar café para os dois mais velhos, amamentar o bebê, arrumar as malas para passar apenas um dia fora, kit de farmácia, kit de sobrevivência com tintas, balões, blocos de montar, etc… amamentar mais uma vez, apartar a briga dos dois mais velhos. Dar amendoim para o menino que rejeitara o misto que havia feito, dar banho no bebê que vomitou em si, trocar de roupa nos meninos, colocar um desenho para ver se conseguia amamentar mais uma vez, e etc… Quando o pai me chamou para sair, já eram 10:40 e eu ainda estava de pijama. Disse que em dez minutos estaria pronta. Tomei banho desembaracei o cabelo desidratado e já ia saindo, quando pensei que talvez conseguiria em um minuto fazer uma rápida maquiagem. Dostoievski disse uma vez que a Beleza salvaria o mundo, nesse caso, para a salvação de meu filho deu tempo de me maquiar.
Não pude deixar nos quilômetros que se seguiram, de pensar nessas palavras, e às vezes abria o quebra-sol para me olhar no espelho. Não era um olhar de vaidade, talvez se encaixava mais em um olhar arrependido e confrontado. Passei a semana inteira, a partir do que estava lendo sobre a importância de se educar os sentidos e à estética a partir da contemplação da natureza, levando meus filhos, para observar as árvores sentindo toda a sua textura, ouvir o canto dos pássaros, enxergar as cores das flores e seus cheiros. Porém havia me esquecido que também faço parte dessa natureza e, cultivar as virtudes do belo, bom e verdadeiro em mim, também traz para meus filhos um artefato para contemplação, talvez em suas tenras idades, o mais próximo dos que eles têm contato. Me descuidar, e não apenas no que diz respeito ao físico, mas também ao cultural, moral e ético, é privá-los de encontrar beleza em um importante arquétipo de suas vidas.
Como mãe, estou praticamente e fatalmente a mercê de cobranças relativas ao trato e cultivo de minhas crias, mas meu rapaz “do meio”, me mostrou nessa manhã, que me auto cultivar, diz respeito à educação deles tanto quanto a matemática e a gramática, ainda mais por ser a única figura feminina da casa. Esse entendimento me trouxe ao mesmo tempo uma responsabilidade e uma gratidão por eles me enxergarem mesmo quando penso estar anulada.
Tirei os olhos do espelho e vi marginando a estrada, um Ipê do Cerrado, minha árvore preferida. Na época de estiagem quando todas as árvores se recolhem em um estado de hibernação, é quando suas flores amarelas canário aparecem, trazendo cor à fuligem das queimadas e à terra vermelha que empoeiram as folhas. Lembrei-me de que em uma dessas andanças contemplativas, o mais velho quis tirar uma foto dela, pois de alguma forma ela havia tomado sua atenção. Fiquei convencida que se quiser educar meus filhos na beleza, tenho que começar a partir de mim, me adornar para eles, mesmo em épocas de estiagem, pouca água para refrescar, e muita atividade interna em meio a hibernação. Esse será talvez o mais cativante ensinamento que legarei às minhas crias.
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